segunda-feira, 14 de junho de 2010

Nihil III



O mais puramente medíocre é que eu sinto falta daqueles gritos que ouvia em minha mente. Até mesmo eles cessaram, nos últimos dias ou meses, só o que eu escuto é o som abafado da tosse de meu avô.
Ainda lembro quando ainda era um homem jovem, com vida gritando nos pulmões e cheio de desejos.
Eu envelheci rápido de mais. Rápido de mais.
Nem completei meus 35 anos ao que imagino, e tudo que tenho é um corpo cansado e poluído pela neblina acinzentada que eu chamo de “Grande Solidão”.
Engoliu cada pedaço de qualquer coisa que me fizesse querer viver.
Aqui, é como se não tivéssemos vizinhos, e como se nunca tivéssemos tido amigos.
Aqui não tem mais nada.
Precisava também dizer que eu não falo mais... visto que meu avô, única companhia, deixou de escutar faz tempo.
Tempo...
Eu também não sei quanto tempo faz que a Juliana deixou nossa casa.
Ela foi em busca de qualquer coisa.
Qualquer coisa que a mente dela inventou pra tentar acreditar.
Em deus.
E não tem nada.
Não tem mais nada.
Eu lembro que existia um rio, bem longe daqui, e lembro-me de beijos no rio.
E depois eu já não lembro mais nada.
Porque na verdade não tem nada.
E nada pra lembrar.
Só tem a Grande Solidão lá fora.
E também dentro de mim, e estou falando da neblina agora.
Da neblina que é fumaça.
Eu também me esqueci do Tom.
Quando ele voltou também havia perdido membros, ai nós o enfaixamos.
Desde então ele também não fala mais comigo.
Eu imaginava que os gritos na minha cabeça, eram os gritos dele.
Talvez fossem.
Talvez.
Eu não tenho mais cigarros.
Nos restam poucas conservas.
E depois, eu nem sei o que fazer.
Eu podia ter saído em busca de qualquer coisa.
Talvez eu não voltasse. Talvez eu voltasse sem alguma parte de mim.
Talvez ela volte.
Mas se ela estiver sem pernas, eu teria que ir buscá-la. Lá na Grande Solidão.
Mas ela esta entrando em casa, já está... aqui.
Eu devia ter consertado as janelas quando ela me pediu. Ai quem sabe, ela não entraria.
Não entraria pra piorar a tosse do meu avô.
Para impedir a cicatrização de Tom.
Para me deixar mais velho do que eu acho que realmente sou.
Pra ter levado-a.

Imagem: Quadro de Salvador Dali

Adendo:
Aos singelos (e inspiradores) pedidos de Liz.
E meu muito obrigado.

outros pedaços perdidos:
Nihil II
Nihil I

2 comentários:

  1. Tem dias em que somos Juliana (saimos em busca de algo, e que as vezes nem sabemos o quê), outros a mesma pessoa que escreve e todos os outros estamos convivendo com muita gente e nos sentindo sós. Em uma frese... Nem completei meus 35 anos ao que imagino, e tudo que tenho é um corpo cansado e poluído pela neblina acinzentada que eu chamo de “Grande Solidão”. Expressa muito, oque não sei expressar.

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  2. Eu que só tenho a agradecer Carol, como sempre lindo e pertubador. Sair e retornar mutilada, ou não sair. Existe uma verdade intrinsica de absurda verdade.
    Obrigada, obrigada e obrigada por atender tão talentosamente aos meus pedidos.

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