quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Existir em 12


Existe o tempo e sua medição precisa das horas e minutos, e existe o tempo preciso que fala por si mesmo e que só respeita sua vontade fazendo minutos em horas e horas em segundos.
Existe o vento que assobia melodias doces e amistosas, como também tempestades que nos devoram em sua sinfonia titânica, e o sol tênue ou feroz que nos deixa a seu bel prazer.
Existem os amores que nos deixam ao léu e os que nos aquecem no colo de um porto seguro para qualquer maré. E sempre existem as amizades.
Existe a falta, o desapego, o desassossego, a paixão, a vertigem, as ilusões. As utopias, as políticas, as demandas e quem comande. Existe a força, a ira, a revolta e – ainda bem que existem – as revoluções.
Existem os fazedores, as teorias, os teoremas, os paradigmas, as verdades absolutas e há quem não acredite e quem prefira não acreditar.
Existe um ser que não se encontra quando pensa, apenas quando sente e quando se entrega por completo ao que faz, e há quem se perca ao se entregar.
Existe o mar, a necessidade de navegar e há o saber navegar. E existe o oceano.
Existe o escuro da noite, o escuro do sono acolhedor e do pesadelo que quebra estruturas. O escuro da magia, do desconhecido, do irreconhecível, da cegueira e depressão.
Mas tudo existe no tempo, o tempo que pertence ao relógio, e nossa vida que pertence e existe no tempo. Tempo que não finda, mas se acaba, porém se renova e nos retorna como os ponteiros na dança cíclica de doze em doze.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

A primeira canção ao verão.

O sol que aquece as costas, a pele através dos vidros e dos enrustidos compartimentos onde se resguarda a empatia à vida.

E na noite clara de lua gigantesca sombreada aos flancos pela luz vibrante feito espelho solar os beijos se derretem mais rápido.

Estrelas imensas dividem espaço com as nuvens carregadas e brincalhonas.

Rápidas tempestades fingem refrescar o calor fervoroso que é o ventre do dia.

O amor ganha ares de libidinagem e exaustão, relâmpagos odores da tarde e da calçada cheia de pegadas apressadas.

Rastros buscando um vento para aplacar de leve o suor. A sede que vence a fome. A busca dos lábios e línguas por saliva (e por saliva alheia). Os corpos que vencem distância e se distanciam.

Finalmente as cores mergulhadas nas águas translúcidas revelam-se alegres e leves, como as ondas verde-azuladas, como as nuvens brancas aveludadas e como os pés
descalços, os cabelos soltos, os sorrisos jogados, olhares reluzentes e que sempre arriscam-se mesmo desviando-se dos raios do sol.

Sorvetes pingam sobre os colos desarmados. Crianças ralam os joelhos, sangram, e com a ponta do dedo provam do sangue: caretas surgem como limonada sem açúcar.

Tomar banho de chuva, gargalhar até perder o fôlego, deitar na rede pra fazer parte do ar quieto e amigável.

Maldizer os ternos, os sapatos, o ar condicionado quebrado, as super lotações das conduções e o transito do feriado, e mesmo assim, correr de abraço ao céu azul cheio de vida que diz bom dia.

Esquecer o guarda-chuva, esquecer do tempo, esquecer a dor e os problemas só pra deixar-se fazer nada enquanto o hálito morno depois das águas lambe seu pescoço, costas e onde mais gostas de suor desejem deslizar.

Sonhos intensos se transpassam e se revezam com a insônia.
O cheiro do tempo que muda, do asfalto que muda, da pouca grama que muda.
Das esperanças e das energias renovadas em dualidade com o corpo amortecido e os desejos de preencher cada noite quente de lua cheia com a grandiosidade de um viver intenso, tão intenso quanto o sol de verão.

sábado, 27 de novembro de 2010

Ode Triste (ao Teatro)



Dói. Uma dor que estende no tempo e consome quanto mais perto se aproxima a razão da existência dessa dor.
Uma dor de não pertencer, de estar distante, de não poder.
Dor de mãos atadas, pernas amarradas, bocas trancadas e costuradas.
Dor de algemas nos pulsos, que machucam, mas não rasgam ao ponto de libertar.
Fechar, trancar, deter.
Impossibilitar os atos e as atitudes que necessitariam reverberar no espaço.
Ser consumida pelos dias, pelo poder maior de não poder estar.
E repete-se. Feito um compasso fácil e nada frágil que tange na estabilidade da renovação das amarras.
E está longe.
Inalcançável aquilo que um dia tive em mãos, no coração, dentro do caminho e hoje, e novamente como no passado, não é, não vem, não pode.
Céu inalcançável. Uma estrela brilhante que reluz encantos. Prantos.
Me abandono, me tomo nos meus próprios braços por consolo, e sumo.
Desapareço do lugar desejado que não é meu lugar hoje, foi, deixou de ser, e foi, e deixou de ser, e hoje não é.
E choro, ora quase choro, entristeço-me, supero, tento.
É a dor que se assemelha a inveja, ao desejo, ao pecado de não contentar-se e mesmo assim aceitar o momento da dor. O momento de o coração gritar “Não quero” e da razão dizer “Eu preciso” e da alma balbuciar “Mas por quê?”
O que da sentido à vida, torna o lugar do sonho. Um sonho que é almejado no raiar do dia e no compasso das horas, mas que nem o sono é capaz de trazer.
A paciência, o que é o mal crível para criar o bem sólido.
Mas dói, o corpo se cansa das dores do espírito. E os suspiros insistem em sair.
Dói. Essa dor que parece não findar, que tem esperança, mas se cansa de esperar.

Nihil IV




- São dois cigarros.
- Eram três cigarros. Tenho certeza.
- E vamos ficar aqui contando cigarros?
- E respirando fumaça e soprando as cinzas que caem sobre a mesa... Eu tive um sonho Jô.
- Não pode ter tido Iza, não pode.
- Eu sonhei, lembro bem, não podia ser real...
- O que não podia ser real? Esta maluca? E você, aliais, não podia ter sonhado.
- Eu sonhei, te digo que sonhei. E o que não pode ser real?
- Qualquer coisa pode ser real Iza, qualquer coisa. Olhe para nós, o que você vê, parece real?
- Eu entendo o que você diz, mas era diferente...
- Diferente como? Eu de olhar para seu rosto enxergo seus ossos. E seus olhos assim como os meus já perdem a cor. Não há energia, você entende isso? E nem sei como ainda estamos vivos sem nem ver mais a luz do sol, sem nem saber mais se é dia...
- Ou se é noite. Já ouvi você dizer isso cento e trinta e duas vezes, pois eu contei, anotei todas. E digo que era diferente, por isso foi um sonho.
- Cento e trinta e duas vezes? Você realmente não tem o que fazer Iza.
- Eu anotei, fiz um risquinho no meu caderno para cada vez que você disse “nem sei como ainda estamos vivos sem nem ver mais a luz do sol, sem nem saber mais se é dia ou se é noite.” E anotei todas as vezes que você já disse “Eu acho que devíamos queimar os livros de uma vez e acabar com essa angustia de morrer aos poucos”, foram setenta e três vezes, também anotei quantas vocês você diz que me ama, quantas vezes você ameaçou se matar e o número de dias em que ouvimos bombardeios, e o número de dias em que o silêncio nos dominou...
- Sim, Iza, eu entendi, você tem tudo anotado.
- Sim, Jonas, por isso eu disse que eram três cigarros e não dois.
- Ah, eu não me importo, eram dois, e nisso você esta errada...
- Não estou.
- Está!
- ... Mas eu te disse que sonhei.
- Não sonhou Iza, não sonhou, não pode ter sonhado, ninguém sonha.
- Eu sonhei, e isso pode ser um motivo para ter esperança, não pode?
- Pode. Poderia... mas não pode, porque você não pode ter sonhado.
- Eu sonhei... na verdade Jô, foi um pesadelo.
- Diga de uma vez...
- Eu sonhei, sonhei que nós fazíamos amor.
- Isso é um pesadelo? Mas de fato, isso parece bem improvável de ter acontecido, mas ainda não acredito que você sonhou, deve estar inventando.
- Não estou, presta atenção, me deixa continuar. Depois que nós fizemos amor, e era lindo, você ia para o banheiro e se matava. Se matava e eu só via depois. Viu só?
- Vi o que?
- Como é impossível. Primeiro porque é impossível que nós façamos amor, e segundo que é mais impossível ainda que você um dia, cumpra suas promessas de suicídio e me deixe sozinha.
- Porque você acha impossível que eu lhe deixe sozinha?
- Porque você me ama Jonas, só por esse motivo.
- Entendi... mas ainda acho que você esta inventando que sonhou. Você bebeu ontem?
- Bebi, e o que importa?
- Importa que você pode ter imaginado, talvez porque queira muito fazer amor, e porque queira muito que eu me mate.
- Oras, não fale besteira Jonas. Eu não quero que você se mate... Veja só...
- Mas você queria fazer amor comigo Iza?
- Queria, queria sim, antes do meu sonho eu queria mais, agora nem tanto...
- Talvez você tenha medo que eu me mate depois...
- É, pode ser isso sim.
- Mas você bebeu muito ontem?
- Bebi, já disse que bebi. Meia garrafa.
- Meia garrafa?
- Meia garrafa de vodka três vezes.
- E porque você bebeu?
- Porque queria fazer amor com você...
- ... Entendi....
....
- Iza?
- Diga...
- Porque nós não fazemos amor?
- Porque você não pode Jonas, não lembra? Você se envenenou com a fumaça e a água do rio aquela vez, e desde então, você não pode mais fazer amor...
- É mesmo... Iza, mas eu ainda duvido que você tenha sonhado. Ninguém sonha.
- Ah... tudo bem, você não quer acreditar em mim, tudo bem. Vou ficar sozinha com a minha esperança.
- Quer que eu lhe acenda outro cigarro?
- Quero. Você não quer?
- Não agora, gosto de respirar a sua fumaça pra esquecer a fumaça de lá de fora, é uma forma de você me pertencer.
- Então acenda logo meu cigarro Jonas.
- Aqui está.
- Sabe Jonas, eu sempre gostei dessa fumaça.
- É, eu sei.
- É, você sempre sabe.
- Isso mesmo. Eu sempre sei ... Iza, você viu o Leo ontem?
- Não vi, dormi logo e sonhei com você.
- Estranho...
- É, estranho...
- Vou ao banheiro.
- Ok.
...
- Iza, venha ver.
- O que houve querido?
- O Leo se matou no banheiro.
- Se matou...?
- É... Iza, você bebeu meia garrafa ontem?
- Sim, bebi meia garrafa de vodka três vezes.
- Três vezes... E você não tem mais tanta vontade de fazer amor comigo.
- È... não tenho.
- É... não tem... Nós fizemos amor no escuro, Iza?
- No meu sonho fizemos.
- Sabe Iza, eu disse que você não poderia ter sonhado.
- É mesmo Jô. Parece que não... que não sonhei...
- Melhor eu me sentar ai à mesa com você de novo.
- É... é melhor... E o que vamos fazer?
- Não vamos fazer nada Iza, não vamos fazer nada. Eu vou ficar aqui olhando para a sua palidez e para os seus ossos e você vai ficar ai olhando para mim, é só isso.
- É só isso mesmo, ao que parece...
- Agora, você vai se convencer de que havia dois cigarros?
- Não, querido. Eu anoto tudo, havia três.

Colombina



A colombina esta cansada, seus pés não valsam mais,
seu vestido esta rasgado, a renda desfeita, a pele empalideceu.
Os palhaços não sorriem por trás da maquiagem, a bailarina tem fortes dores em seus pequeninos pés,
ela pisa em farpas.
 E quando chega a hora do circo partir e a tenda é desfeita os olhos desolados se ocupam com o caminho pelo horizonte.
A colombina esta cansada, ela não quer mais valsar,
lá se foi o circo, a brincadeira, a gargalhada,
a colombina não quer mais sonhar.
Chegaram os ciganos, e nas linhas de sua mão alguém leu que um palhaço triste
 roubou seu coração febril.


Imagem: Isabelle Adjani em "A Rainha Margot"


escrito em 03/06/2006

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

As fitas de Pandora

Ao abrir os olhos no vácuo da quietude, deparamo-nos com as cortinas do tempo turvando o ar e hipnotizando as vontades.
Tudo parece estático, branco, invalido e triste.
Uma tristeza longa no peito, dias normais de entardeceres solitários. As lágrimas que não vem aos olhos, mas não por falta de vontade.
Frio, mesmo sem vento para eriçar os pelos da pele, o peito sozinho infla e dissolve novamente o oxigênio no ar...
Inspiração e expiração na tentativa pacífica do corpo de reagir à tênue apatia dos sentidos.
Uma neblina rasteira, manipuladora e vagarosa se aproxima dos arredores da alma.
Uma voz, um canto indecifrável chora vindo da nuca, de trás dos ouvidos, de dentro dos olhos, da garganta incrédula e incapaz.
Os ponteiros do relógio consomem cadavéricos as boas memórias, as vitórias, e regurgitam pesares.
Olhares vazios se cruzam, a natureza retrata no empalidecer dos concretos e dos galhos ríspidos e das estatuas solitárias a catatônica sinfonia da agonia.
As pequenas velas da esperança não são suficientes para aquecer os membros em busca de novas caminhadas que façam sentido...
... os passos se perdem nas trilhas da insegurança. Uma loucura dada pelas mãos da impotência.
Passados remotos guardam males e perdas ainda presentes e inertes nos ombros.
Os joelhos se embaralham, as mãos sem atrito escorregam nos vãos que margeiam a razão.
As horas demoram arrastadas, sádicas em torturar seus prisioneiros.
No horizonte inalcançável o outro silêncio, o silêncio do alívio.
Entre os rastros deixados para traz sorrisos periféricos e audaciosos... incrédulos, mas não tão firmes.
Os sons se emudecem aos ouvidos alquebrados diante a ambigüidade: turbilhão de densas emoções versus abismo e limbo que absorve os possíveis sabores da vida.
Os ritmos seguem o compasso denso e lerdo da sofreguidão...
Quanto mais perto de si mesmo, mais longe de si, e não mais. Uma estrada em círculos... a revisitação ao conhecido desassossego.
E se no susto, venta, o gélido soprar do males da alma arquitetam a dança mórbida das fadas espectrais da humanidade.
A tristeza se confunde com melancolia, e a melancolia se dissemina como garoa fina.
Os rumores da subjetividade voam longe, ganham as barreiras da visão, atravessam os lençóis transparentes das gotículas que vem inutilmente das nuvens na tentativa de afagar as cicatrizes.
Mas logo também se vai... Mas ela fica, amiga inseparável das infelicidades e do auto-reconhecimento deste ser humano que é falho. E que por ser falho, se martiriza e se angustia.
E vejam, lá estão as fitas...

Baseada no video de Larissa Anzoategui
Angústia

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Ao Leito

Perdi as contas de quantas vezes tentei matar você em mim. Hoje sem forças, e de joelhos eu desisto de tudo. Sem forças, eu não me agarro em nada, tudo que passa diante meus olhos passa, e nada que o rio me trás eu tentarei alcançar. Se chover, da tempestade eu vou viver. Caso a ventania me levar pro sul, este será meu norte e nada eu vou prever. Se amanhecer, querido, vou fotografar na memória o roxo que nasce vagarosamente no horizonte, se vier com sol ou neblina, é desse dia que minha sina vai viver. Por que se eu morrer – ah, se eu morrer! – não vou ter comigo nenhum pesar a que recorrer, a não ser as barreiras que nunca de mim dependeram para serem vencidas. Por que, meu amigo, eu já perdi as contas... e as saídas

Gato



É asfalto, concreto, rua. É abrigo da chuva pra eu matar minha sede da minha solidão. É meu canto que te acorda, é tua mão que me acaricia, mas meu guia é o instinto de estar sempre distante de me envolver. Fotografa minha presença que logo eu fujo sem aviso do refúgio que é teu colo pra eu dormir. E quando volto me percebe no caminho de passos leves e me conforta nesta cena sem cores. É preto e branco, bem simples, ancestral e ultrapassado como tua poesia sobre mim no papel pálido.

Fim de Tarde.


O sol arrasta-se, esta entardecendo. Sugiro ao meu fantasma que cante. Abrimos as cortinas, o cheiro da monotonia entra em nosso aposento, ele senta ao piano, e sua voz de tenor acaricia as paredes e meus tão machucados ouvidos. As lagrimas caem livremente em uma guerra que já desisti de lutar. Da janela, reuni-se à lied o vozear das crianças que brincam na calçada. As batidas do velho relógio de pendulo medem os compassos aos quais meus batimentos cardíacos se assemelham. Na estante a foto de meus pais, no apartamento ao lado, o chuveiro. Lá fora anjos me ignoram. Eu abaixo a cabeça e penso nos ferimentos da pele e nas cicatrizes da memória. O fantasma silencia sua voz, seus espectrais dedos se afastam do piano, sem barulho ele se aproxima e me abraça. Única companhia. Afaga-me e consente-me descansar no seu aconchego.

Príncipe das Trevas.


Apareceu-me em sonho, mais uma vez, querido! Sem que desta vez, em presença tu realmente precisasse estar. Num suspiro longo acordei, mas meu peito era oprimido e tive medo. Longe demais para que eu possa alcançar, entre mim e ti tem meu orgulho. Príncipe das trevas, tu deixas-te em minha pele um estigma que de tempos em tempos volta a sangrar. Schatten Herr, tudo era turvo em sonho, menos teus olhos densos nos quais mergulhei para tentar deixar o brilho desobscurecer e amenizar a raiva. Foi em vão! Agarrei em teus braços... tua presença era a mais forte graça da qual eu aceitaria, um dia, me comover. O que me aflige, é saber que tu és capaz de ter o mundo, mas luta contra quem não é teu inimigo. Quis acalmar tua revolta em meu colo, mas acredito que me tornei demasiadamente fraca, demasiadamente cansada. Não tenho armas para lutar em uma guerra por ti e necessito preservar o equilíbrio que ainda me resta. Tu eras todo o sonho do qual eu queria sobreviver ... (e de certa maneira, o pesadelo do qual eu tento fugir).

Recanto




Ao passares, se puderes, deixe seus rastros e suas sensações, para cultivar as flores no jardim e regar feito orvalho as personificações das letras em etéreos espectros de eternas venturas.

Ira

No meu peito o outono, ele chora o choro da vida que cai, balança no ar, suspira e espera. Sustento inutilmente a esperança e tento apagar da consciência esse grito mudo que corrói os nervos, essas palavras desafiadoras que ressoam dentro do crânio produzindo o eco da impotência. De braços cruzados e olhar perdido, qual Afrodite, tento sobreviver sem virtudes, mas ainda assim amo, mesmo que esse amor implique em fugir, refugiar-me entre os morcegos aguardando que a tempestade parta e leve para longe meu sofrimento, meu medo e minha ira, esse grito mudo.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Anicê



Anicê.
Fogo! E o mundo inteiro parece cair a seus pés.
A garota de cabelos e traços indígenas se redescobre divertindo-se naquela imagem de devastação. Amerê!
Hoje sou como Arani.
No lugar de florestas: gado, pasto, dinheiro fazendo dinheiro.
E me mudam de lugar. Casa nova.
No lugar da favela, de sua casa, de seus pequenos pertences sem valor monetário algum: a rodovia, os carros correndo de faróis feitos olhos selvagens na noite.
Bando de Jaguar.
Agora, novamente o fogo!
Quem chorou e quem se debulhou em lágrimas quando nem o vôo mais alto do pássaro mais rápido foi suficiente para sua fuga?
Quem chorou quando as madeiras da favela, quando a cortina velha, o lençol cheiroso viraram cinzas?
Cinzas para cobrir as cinzas de sua tristeza.
Eu sou Arani.
Fogo na grande casa. Fogo! O brilho de tupã seria cegado pelas chamas ferozes da revolta.
Mas é a mãe lua que presencia sua festa:
Ah, Airequecê!
Bandeira hasteada pela mão direita.
A alma limpa de dor e pelas mãos macias da vingança.
O corpo nu, os passos lentos.
Vestida de Araruna.
Ao longe o primeiro carro de bombeiros, do outro lado a viatura policial.
Índio anda pelado sim, meu senhor.
Eu sou Avá.
Ela pode alegar qualquer coisa perante as leis do homem branco.
E além do mais, não faz diferença.
Trocar uma cela por outra cela menor.
Alcova por cova, nem faz tanta diferença.
Além do mais, é dia de índio.
E índio quer... Quer ver o circo pegar fogo, porque palhaça é invenção dessa gente, dessa gente que não se sabe dizer muito bem quem ou o que é.
Índio quer ver o fogo.
Amerê. Amerê. Amerê.
Sou Avá e Araruna.
Airequecê. Esplendor que só você vê, Airequecê.
E que Amanaci hoje não de o ar de sua graça.
Hoje o Ipiranga vai fazer jus ao nome, é dia de Anicê.
E eu sou An!




Arani: tempo furioso
Amerê: Fumaça
Airequecê: Lua
Araruna: Ave preta.
Amanaci: Senhora da chuva
Ipiranga: rio vermelho.
Anicê: fogo.
An: fantasma

sábado, 2 de outubro de 2010

Um conto do riso desesperado

Conto de Caio S.C.





-OK, Você tem noção do que eu disse, certo?!Você tem noção dos perigos que você esta aceitando?!
-Sim
-Posso perguntar por quê?
-Pode
-Por quê?
-Porque sim, e não seria pra isso que vamos pra lá?!
-Sim, ... Mas....você não tem medo?
-Logicamente!
-Mas se você tem medo...E então?! Por que ir?
-O medo só vai me consumir em alguns instantes, eu vou errar, errar, errar, talvez quem sabe quase chegar nesses objetivos, mas pelo menos eu vou tentar, né?!
-Sim...humanos, seres estranhos.Você tem noção também do sofrimento que você vai passar né?!
-Cara, você me mostrou tudo, eu tenho noção sim!.....Porem, pensando bem....
-Então você desistiu?
-Não, não importa, a felicidade dos outros é mais importante que a minha, principalmente se eu amo essa pessoa. Mas não tem jeito mesmo de eu conseguir?!
-Isso só depende de você, o que você viu foi só uma das bilhares de milhares de possibilidades de ações, e de acontecimentos.
-E então ainda existe 1% de possibilidade?
-“Se você acreditar e tiver o que é necessário, no caso fé em si mesmo, você consegue o impossível!”
-Quem disse isso?
-Você quer dizer, “quando eu escreverei isso?!”, por que essa frase é sua, será durante mais uma fase ruim sua, você será uma ótima pessoa pra conversar com você mesmo, e com os outros também, e os outros adorarão conversar com você.
-Tá certo! Se existe uma mosca de oportunidade, eu acertarei meu tiro nela
-Bela outra frase sua!
-Valeu, sou bom nisso
-Você não sabe o quanto
-Não sei, mas imagino!
....
-Mas é tanto sofrimento... Esqueça, eu vou sim! Pode abrir!!!
-Certeza?!
-Eu disse que sim, não me faça pensar melhor!
- E ENTÃO QUE SE ABRA A PORTA DA ESPERANÇA!!!
O som de portas gigantes se abrindo
-Até mais, espera ai, “Até mais nada”, Não quero te ver nunca mais Morte.
-Espero que nem eu te veja, tão cedo - Risos - Então meu querido amigo sem nome, bem-vindo à VIDA!



segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Sobre teu túmulo

(escrito a cerca de cinco anos)


Goteja no túmulo frio a minha solidão.
Goteja o sangue da paixão.
Entre o negror da noite densa,
Meu sangue mancha o mausoléu,
(enquanto suspiro e lacrimejo ao léu).
Arfa meu peito numa dança lente.
Tu, amor lascivo e sensual,
Tens teu corpo agora putrefato,
E toda aquela palidez bela e sem igual
Hoje jaz num caixão compacto.
Mau choro lava minha alma da agonia
Respiro o cheiro de teu eterno lar,
Junto com flores que colhi sem alegria.
Ah saudade, como eu sempre vou te amar!
Mesmo qu’eu viva sempre triste,
Meu sangue ainda corre por ti, estou desesperada.
Deitada sobre teu sepulcro, a dor persiste.
Eu miro o céu escuro e a lua prata,
Sozinha eu degusto da angústia e da febre,
E ao molhar lábios e todo o rosto com choro
Tento respirar profundo, sem que se quebre
As taças frágeis que guardam o decoro
Que fingíamos possuir depois do fogo.
Ao lembrar eu choro por desafogo.
Ah quanta saudade eu sinto!
E quantas lágrimas de sangue vou derramar
Perdida em dores tenebrosas deste breu?
Mas comigo, eternamente, vou te carregar,
Sempre, como uma doce lembrança, teu riso,
E sempre, como nódoa feroz te sepultar.
A vela do amor sempre iluminará teu sorriso
Firme em minha memória.
Teu semblante jamais se apagará em mim,
Então vai nascer da nossa história
Uma grande árvore de luz sem fim,
Aqui sobre a tua sepultura,
Onde teu corpo dorme como uma escultura.
E as flores serão filhos nossos
Que eu prometo com amor cuidar,
E dos amores dos nossos votos
E lembranças tuas eu vou regar,
Para quando a tristeza, enfim, me levar
E as asas da liberdade vierem me buscar.
(enquanto meu sangue de mim fugir),
Espero, a ti, chegar.
Verei de novo teu sorrir
E nunca mais vai me deixar.
Com esta dança lenta,
Deste arfar do peito meu:
- Ah!Como me atormenta –
E com o sutil balançar dos quadris meus
Vou macular teu sepulcro com a luxuria.
Já os beijos que dou à noite para serem teus
Vão deixar aqui o meu amor,
E por todo esse cruel esplendor
De tristeza, medo e louvor,
È pra que possamos aceitar
Nosso destino de chorar,
Mas talvez se eu me tornar
Amiga desta saudade que mata-me,
Eu possa erguer-me, levantar-me,
Dar a mão à tua alma,
Retomar pelo medo a calma,
E em valsa fúnebre, harmoniosa,
Sob o brilho das estrelas na lua,
Eu me sinta entre a melodia formosa,
Ai, possamos dançar e eu ser tua.
Mas nem que o fogo dos céus
Venha queimar minha carne cálida
(e me dêem como da vida um réu)
Continuarei triste e pálida,
Deixando lagrimas a jorrar.
E sobre este triste fim, teu sepulcro,
Eu juro,
Em meio todo meu medo obscuro,
Juro nunca deixar de te amar

Se me encantas...




Não sei se minha capacidade é suficiente para lhe plantar um sorriso no rosto.
São meus desejos sinceros e perdidos e confusos.
Totalmente inseguros. E eu quase não tenho palavras, me faltam impressões, respostas, idéias.
Uma sensação de mergulhar em um desconhecido branco, vazio.
Paredes de nuvens nas quais eu tento apegar-me e plantar sóis, gira-sóis.
Sem raízes se perdem (me perco) como fantasmas etéreos nos sons de sua voz longínqua.
Mas é apenas o cansaço, certa instabilidade e insegurança.
Medo.
E esse meu medo de me perder nos teus encantos.
Ah, e pudera eu, tornar real o sonho de lhe ter em sono ao descansar no meu colo.
Apaziguar tuas dores e te cuidar no cansaço e afastar os fantasmas, sejam eles quais forem.
E...
Dançar a dança no ritmo de sua voz
Embriagada pelo seu perfume e seu riso.
No prazer de desbravar através da sua risada
Os quereres escondidos sob sua pele.
E no ritmo da sua respiração
Brincar com sua nuca e sua graça.
Ganhar espaço na sua agenda e
No relógio biológico de suas vontades.
Beijar cada pequeno espaço de seus lábios
Como recompensa após o anoitecer.
És pirata que me roubou das águas.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Cinza


Hoje...
O dia estava lindo.
Ar que espera chuva.
E choveu.
A paisagem vestiu suas vestes acinzentadas.
Nubladas.
Perpétuas.
Eu me senti mais viva, me senti viva mais uma vez
entre a neblina, a chuva, o vento, a garoa.
E tão cinza como filmes em preto e branco.
Feito os anúncios de jornal.
Cinza.
Feito grandes prédios sem tinta
Ou como o metro e carros que pintamos de cinza.
Cinzas.
E lavamos as almas, as respirações.
Eu me entreguei ao prazer de ver, de olhar
e continuou tudo cinza.
Foi mesmo um lindo dia.
Todo acinzentado, ensimesmado.
Turvando as luzes da metrópole
São novos pontos de vista
(um em cada gota de chuva).
Pontos e ponteiros do relógio.
Gotas de remédios, gotas de chocolates.
Pontos em gotas. Prismas!
Sem coloridos.
Todos adormecidos.
Asfalto cinza. Sofá cinza.
Cinzas de algum cigarro.
Cinzas entre o preto e o branco.
E no meio da chuva e da ventania
paira o silêncio quieto, cismado.
Ele luta pra ser ouvido
nesse lindo dia cinza que foi...
Hoje.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Tolice


Tens razão meu amigo. Eu não sou confiável.
Eu me perco com grande freqüência, eu distorço emoções.
Eu sinto tanta dor, e ela logo passa inigualável.
Sinto tanto amor, mas ele se derrete sem condições.

Mas meu coração não. Esse se destrói e se reconstrói
Como mar que te molha os pés e se vai sem dizer adeus, sem avisar
Ou uma melodia de Chopin, Mozart, me corrói.
Mas não volta, só quer pra sempre navegar.

Eu me camuflo no meu medo. Eu sou uma criança frágil e cruel.
Eu nasci para conselhos, para felicitar e para comemorar.
Eu não nasci para o amor. Eu nasci para suportar a dor e o fel.
E, talvez, devesse então calar-me sem antes mais me afundar.

Eu não mereço nada de ti. Nada. E não insisto.
Se me desprezas, ainda devo me satisfazer com o luxo que é teu desprezo.
Se me encantas, eu desisto, se me queres longe eu persisto.
Mas nunca persisto de mais. Eu logo parto sem ensejos.

Eu gosto de partir (além mar), mas não gosto de partir (qualquer tipo de espera).
Ninguém merece esperar-me. Qualquer luz já se pôs.
Eu não sei voltar. Pois se um dia eu soube amar, foi-se em outra era.
Levou consigo e se foi (pra sempre, o amor, a capacidade, os dois).

E falo tanto de mim. Quanta pequenez e mediocridade.
Me desnudo, pois nada pode me dar novamente à luz do brio.
Se me disseram que mereço a solidão. É sim parte em verdade.
Se eu acredito, não mais, e talvez, nunca mais. Vazio!

(Para melhor conviver, vou me esquecer.
Meus fictícios personagens são humanos muito melhores do que eu).
E não há nada para dizer.
Nada, e eu já sei. Adeus.

domingo, 4 de julho de 2010




Se o coração aperta, angustia-se e sofre em cada momento de silêncio entre os espaços truculentos dos sons da rotina, eu me perco.
Se eu tenho tantos motivos, e nada me fortalece, eu padeço e quero desistir.
Mas não me cala a alma, o coração grita cada vez mais, enquanto nas esquinas das emoções eu procuro rir com o andar calmo da natureza do tempo, e suas brincadeiras com meus sonhos.
E novamente eu me perco.
Choro um choro afogado nos erros, nas incertezas e nas incapacidades de meus sentimentos.
Esfrio-me, me congelo, busco a distância, e me arrependo.
E outra hora não mais, e logo mais volta, e se vai. E não sei...
E de repente eu apenas deixei de acreditar.
E o grito do coração quer sobrepor-se ao grito da alma, que por sua vez, quer sobrepor-se ao grito do coração, e meu raciocínio falha.
Eu me ajoelho.
Caio nas lamentações inúteis do vazio, do não concreto, do não dito, mas arrebatadoramente sentido, atravessando o peito, plantando as dúvidas, as vontades tolas e as vozes em ecos do futuro, do passado, do medo do presente.
E deveria ser tão fácil, mas algo me fez (nos fez) tropeçar no meio do caminho.
E agora eu vejo outros caminhos, de passos solitários que visam horizontes diferentes.
Ao menos por enquanto, meu coração quer ficar quieto, quer acalmar-se para estancar o choro e parar de gritar.

quarta-feira, 23 de junho de 2010



É uma pequena palavra
Que não chegaria a ser nem mesmo uma pequena frase, estrofe, parágrafo ou texto.
É quente, doentia, cruel, dilacerante, empolgante, revigorante, intimadora, destruidora, construtora, forte, louca, desumana por ser humana de mais.
Detém o poder do prazer e de transformar sonhos em realidade.
Poderia ser “amor”, mas na verdade é “Coragem”.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Nihil III



O mais puramente medíocre é que eu sinto falta daqueles gritos que ouvia em minha mente. Até mesmo eles cessaram, nos últimos dias ou meses, só o que eu escuto é o som abafado da tosse de meu avô.
Ainda lembro quando ainda era um homem jovem, com vida gritando nos pulmões e cheio de desejos.
Eu envelheci rápido de mais. Rápido de mais.
Nem completei meus 35 anos ao que imagino, e tudo que tenho é um corpo cansado e poluído pela neblina acinzentada que eu chamo de “Grande Solidão”.
Engoliu cada pedaço de qualquer coisa que me fizesse querer viver.
Aqui, é como se não tivéssemos vizinhos, e como se nunca tivéssemos tido amigos.
Aqui não tem mais nada.
Precisava também dizer que eu não falo mais... visto que meu avô, única companhia, deixou de escutar faz tempo.
Tempo...
Eu também não sei quanto tempo faz que a Juliana deixou nossa casa.
Ela foi em busca de qualquer coisa.
Qualquer coisa que a mente dela inventou pra tentar acreditar.
Em deus.
E não tem nada.
Não tem mais nada.
Eu lembro que existia um rio, bem longe daqui, e lembro-me de beijos no rio.
E depois eu já não lembro mais nada.
Porque na verdade não tem nada.
E nada pra lembrar.
Só tem a Grande Solidão lá fora.
E também dentro de mim, e estou falando da neblina agora.
Da neblina que é fumaça.
Eu também me esqueci do Tom.
Quando ele voltou também havia perdido membros, ai nós o enfaixamos.
Desde então ele também não fala mais comigo.
Eu imaginava que os gritos na minha cabeça, eram os gritos dele.
Talvez fossem.
Talvez.
Eu não tenho mais cigarros.
Nos restam poucas conservas.
E depois, eu nem sei o que fazer.
Eu podia ter saído em busca de qualquer coisa.
Talvez eu não voltasse. Talvez eu voltasse sem alguma parte de mim.
Talvez ela volte.
Mas se ela estiver sem pernas, eu teria que ir buscá-la. Lá na Grande Solidão.
Mas ela esta entrando em casa, já está... aqui.
Eu devia ter consertado as janelas quando ela me pediu. Ai quem sabe, ela não entraria.
Não entraria pra piorar a tosse do meu avô.
Para impedir a cicatrização de Tom.
Para me deixar mais velho do que eu acho que realmente sou.
Pra ter levado-a.

Imagem: Quadro de Salvador Dali

Adendo:
Aos singelos (e inspiradores) pedidos de Liz.
E meu muito obrigado.

outros pedaços perdidos:
Nihil II
Nihil I

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Ecos Natura




Nós contamos tantas estrelas em tantos anos e descobrimos os deuses.
Nós dançamos em rodas e em rodas em volta das fogueiras cantamos nossas paixões, nossas vitórias e nossas alegrias.
Em cada refrão de nossos sonhos, as pequeninas fadas vieram iluminar a escuridão das florestas.

E durante infinitas eras nossos ecos ecoariam, para além das florestas, pelos mares, em cada pequeno canto do vasto mundo.
E a cada horizonte vencido, nossas rezas pagãs e nossas canções de paz tornariam cada pequeno vilarejo mais harmônico.
Os deuses finalmente felizes descansariam e sobre nós apenas seus dons nos seriam trazidos como presentes através das chuvas e das estrelas cadentes.

Mas depois da tempestade e da ira, só o que nos restou, foram ouvidos surdos para nosso canto e corações apáticos para nossos ensinamentos.
Não poderia haver mais paz sem que houvesse alguém capaz de ouvir nosso canto e entender que nós falamos de algo dentro de cada um.
Algo que pode aquecer cada desesperado e cultivar a justiça em nome dos deuses.

Depois de tantas batalhas que esmagam o som de nossas canções, quase não há mais força em nossas veias e nem brilho nos olhos.
Não sabes para onde ir, ou para que continuar nesse truculento caminho construído.
Para que?
Mas se fecharem os olhos de todos e o único som a repercutir fosse o ritmo cadenciado da batida dos corações, nós poderíamos novamente ascender a fogueira e lhes dizer novamente, sobre as eras de contar estrelas nunca registrada.

Tens construído estradas que não levam a lugar algum que realmente possa se desejar estar.
Quando estar em roda perdeu o sentido, não há mais sentido para navegar pelas longínquas águas da alegria.
São como pequenos pássaros voando solitários, são peixes brilhantes ganhando águas escuras que não podem ser partilhadas.
São como uma sinfonia nunca composta ou uma poesia nunca escrita.

Mas nós ainda estamos cantando, ainda esperamos que alguém desnude-se das avarezas e dos julgamentos, e dentro de seu peito deixe-nos acender a fogueira.
Para cantarmos em roda e em rodas possamos nos tornar como um único corpo.
E finalmente os deuses nos tragam a dádiva do amor, da justiça e a paz.
Através de cada gota de chuva, estrela cadente e raio de sol.



Imagem: “A Parábola das Dez Virgens” de Friedrich Wilhelm von Schadow

terça-feira, 25 de maio de 2010

Embriagues




Um homem quando se torna carente tem grandes chances de se tornar deprimente e depressivo, muito mais deprimente na verdade.
E esse mesmo corre o risco de se tornar um poeta... pobre ser. Acha que é alguma espécie de Deus brincando com as palavras, mas mal sabe ele que elas fazem dele o que bem querem. Que de nada vale seu semblante ou seu orgulho, gozam dele as emoções e sensações perante a sua escravidão.
Indiscutivelmente, agora que conheço a minha sina, para que me preocupar? Quem é poeta é no mínimo amaldiçoado, escória da humanidade, um anjo de asas quebradas.
Eu tenho a paixão das prostitutas, o amor das donzelas e a veneração das damas-da-noite. Por isto só sigo na madrugada, prefiro a companhia dos morcegos à dos semideuses! Ainda me permito voar, mas quando volto ao chão meus pés ardem como se eu pisasse em brasas, e minhas grandes asas machucadas dificultam meu caminhar arrastando-se no asfalto.
Preciso de um olor forte e um gosto doce para aliviar a minha dor. Mas não me resta um mísero mango no bolso.
Deus me deu a arte para que eu ficasse louco. Assim meu sorriso é devéras melancólico.
Cheguei ao ponto! Eu dou risada de minha desgraça.
Por isto meu vinho é do bar mais escuro, da adega mais suja, da esquina mais fedorenta. Eu vivo entre os ratos: "Procure um rato entre os homens e encontrará um príncipe entre os mortais” – Naquelas longas noites de solidão.
Ah... Eu cansei dessa angústia. Maldição. MERDA!
Esta piada não me faz mais rir, a não ser nos momentos de lascivos de raiva e possessão em que me torno masoquista, (até sádico talvez).
Eu cuspo na sua cara com meus versos!
Mesmo estando... perdido, pisado.
Deus me pede uma canção e eu não tenho um PUTO no bolso.
POR ISTO O VINHO DOS POETAS É SEMPRE O MAIS BARATO.
Ironia...deixe-me me embriagar... eu medíocre... eu desgraçado!

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Lume Eterno



Vou aquecer teu coração e tuas noites
Mesmo que eu precise de todo meu calor e alma.
Ei de levar-te comigo através das ondas do tempo
E para onde o destino guiar os passos
Mesmo entre a tempestade e a neve
Na mais profunda escuridão e trevas
Eu não largarei tuas mãos.

Quando os uivos mórbidos da noite ousarem dizer-te ao ouvindo
Qualquer palavra que te cause medo
Eu vou te proteger e te colocar ao meu lado.
Caso o caminho entre a floresta truculenta
Venha cansar-te, eu caminharei contigo em busca de abrigo.
Porque mesmo na mais profunda escuridão e trevas
Eu não largarei tuas mãos.

Eu vou fazer com que teus sonhos se tornem realidade
Transformarei os castelos de areia em fortalezas do tempo
E pra cada dia que o vento soprar nossos rostos
Eu vou olhar nos teus olhos para transpassar pela eternidade.
Como as folhas no vento da madrugada
Assim como na mais profunda escuridão e trevas
Eu não largarei tuas mãos.

Se sangrares, ei de curar-te com meus carinhos e cuidado.
No teu caminho e para as tuas vitórias e felicidade
Eu cantarei noite após noite para teu sono e descanso
Acenderei velas para iluminar tua tranqüilidade
E te aconchegarei, de forma que teu sorriso nunca te abandone
Pois na mais profunda escuridão e trevas
Eu não largarei tuas mãos.

Eu não largarei tuas mãos, não importa quão escuro fique.

domingo, 2 de maio de 2010


Quero olhar nos teus olhos vítreos e verdes feito a selva, a chuva sobre o lago cristalino das verdades simples de existir.
Assobiar nos teus ouvidos feito vento, feito suspiro e sonhos.
E me destruir e me renovar para o teu colo.
Existir nos limites da tua existência.
Afogar-me nos teus lençóis, na tua imagem e sobre teu corpo derreter.
Quero te amar nas manhãs como se fosse todo esse tempo o único tempo e o tempo infinito. E todas as noites como se fosse a última cada uma delas.
Quero morrer no teu colo para você morrer no meu ventre.
E sobre todas as pálidas faces da rotina, quero brilhar de fogo nos teus lábios.
Colar teus lábios e tua pele como outra tatuagem, e fazer do teu suor meu perfume.
Entrelaçar meus cabelos na tua barba mal feita e recém desperta.
Aquecer minhas pernas nas tuas pernas.
Penetrar na tua alma pelo teu olhar e pela tua língua.
Viver para dissolver-me em transpiração e juntar cada partícula tua em um mapa a desvendar até familiarizar teus poros à textura da palma dos meus dedos
(e olhar e lábios e tudo o mais).
Despir-te dos medos, das inseguranças e das vestes.
Fazer do teu corpo e da tua alma meu abrigo, e fazer de tudo que é meu, um dos meios de te fazer feliz.
Tudo, pra tentar matar esta saudade, esta vontade de ter-te o tempo todo, como se fosse todo esse tempo o único tempo e o tempo infinito pra eu permanecer mergulhada nos teus olhos vítreos e verdes.

terça-feira, 30 de março de 2010

Nihil II



São apenas cinco metros até a casa de Líli e eu não consigo ver daqui.
Ás vezes eu tenho a sensação de estar ouvindo a sua cadeira de rodas ranger, mas eu sei que isso é uma ilusão.
Eu não ouço mais os tiros e bombardeios a mais ou menos duas semanas, isso é o que me lembro ou imagino que seja.
Quase estou acreditando que o relógio esta girando seus ponteiros mais devagar, e se ele parar eu estarei perdida.
É difícil acreditar que chegamos até aqui, mas o Léo já acha impossível acreditar que algum dia foi diferente. Desde que nosso bebe nasceu morto e seco ele não fala direito comigo.
Foi tudo no meio daquela fumaça e eu não posso dizer que um dia fui uma mulher saudável. Acho até bom que meu pequeno tenha nascido morto, assim, é um a menos para sofrer.
Os mantimentos mal dão para mim e para ele, não tem mais água encanada, e nós não tomamos mais banho.
Eu tenho chamado o Leo sempre, peço para ele sair daquele quarto empesteado pelo cheiro do bebe morto, ainda bem que ele já nasceu seco, se não teríamos vários bichos aqui, comendo os restos dele.
Ele sempre quis ter um filho, eu não lhe culpo.
Não posso esquecer-me de conferir o estoque de velas. Estamos nos alimentando de pão que eu mesma faço, é difícil assar sem gás, às vezes o Leo me ajuda a ascender o fogão com restos dos nossos móveis, eu espero que o álcool não acabe.
Talvez, se os bombardeios não voltarem a gente tente sair novamente.


Nihil I

http://framboesasnojardim.blogspot.com/2008/07/feche-janela-meu-querido-no-h-nada-para.html

Adeus




Hoje nós temos um motivo bobo para sorrir, poderíamos nos abraçar forte e nos alimentar do calor do outro, sentindo o cheiro de flores, refrescantes dentro da sala neste dia frio e sem sol.
Nós poderíamos esquecer as magoas, e até deixar cair algumas lágrimas de alegria regando nosso sorriso, nós poderíamos continuar juntos por mais um dia, ouvindo aquela canção, aquele ritmo que nos ilumina de dentro para fora e falar das memórias.
Depois, poderíamos nos entregar naquele longo beijo, devorando o outro através dos lábios, só tato e pele, e minhas mãos na sua nuca e suas mãos nas minhas costas.
Olharíamos um nos olhos do outro e seriamos felizes.
Nós poderíamos, mas como a brisa do mar, você levou embora todas as minhas esperanças, devorou minhas necessidades, e simplesmente com a mão sobre meu ombro, você me disse adeus.
Eu olhei pela janela, e não pude dizer mais nada. O adeus que eu lhe daria esta ainda dentro de minha garganta proibindo minha respiração, assim como seu perfume ainda esta na minha toalha, proibindo-me que eu a lave.
Você cheirava a rosas. Feliz aniversário...

Imagem: René Magritte - Os Amantes

terça-feira, 23 de março de 2010

Outono de 2010





Eu preciso te dizer outono, mais uma vez, sobre meu amor por ti.
Sobre esta vontade de usar cachecol ao vento batendo a sola dos coturnos sobre as calçadas cinzentas de minha cidade caótica e encantadora, também embevecida em ti, outono (feito eu nos aromas de vinho ou cafeína).
Entre tuas folhas que logo mais caírão amareladas, aquele amarelado de foto, de livro, de folhas de caderno. Junto com cheiro bom de se embalar na ventania do tempo. Ser simplesmente este tempo amigo e me confortar neste presente querido e venturoso. Alimentando as certezas de um momento tão mágico que é esta simplicidade, e aquela vontade enorme de no futuro ter colo. Um colo amigo e confortável que não prenda.
É chegada a estação de beber café, cappuccino, chá quente.
Estação de ir ao cinema de filmes europeus. Estação de amar.
É um prazer quieto e melancólico de estar tão consigo mesmo, e quase completo nos afazeres bons do cotidiano, mas sem rotina, sem sina, sem dificuldades.
É estação de ouvir música boa, ler bons livros.
Escrever os sentimentos e descrever os momentos pintando e reproduzindo tantas cores calmas no céu. Tudo um pouco aquarela.
O balançar das árvores, em breve só galhos.
O cheiro de asfalto molhado na cidade, e terra molhada do quintal.
Vontade de abraçar todos os amigos.
Sempre quando chega o outono, parece que volto pra casa. Essa minha casa que sou eu nesse estado tão puro e verdadeiro de estar comigo.
Tudo enquanto o mesmo pincel se molha na garoa e mancha as cores no papel texturizado, tato mais delicado e atento. Tato para abraço, para lábios, para papel, para outra pele, tato para pintar.
O azul e o branco acinzentados são quase a mesma cor.
Eu vou sujar as pontas dos dedos com essa aquarela.
Seja bem vindo mais uma vez querido Outono.
E estou tão feliz de estar aqui para lhe receber.
Anjo quieto, pálido e confortável, peço que me inspire, que eu possa respirar de ti, me encher com tua poesia, com tua lasciva tênue. Com tua arte que é nos preparar e nos causar surpresas.
Se tu fosses homem, outono, eu ser-te-ia fiel a amar apenas ti para sempre. Sendo este anjo de pintura de aquarela envelhecida como se apresento, sou-te grata, apaixonada e eternamente uma aprendiz.
O dia que eu for como tu, Outono, eu sei que saberei o que se pode chamar de felicidade.

Imagem: A Noiva Cadaver, por poesia melancólica..

Lieben und nur Lieben*



Vozes no peito confuso sobre ti, meu amigo distante,
Alimento desta minha alma - sonhos e a vontade -
Que fortalece a espera do meu eco viajante
E fere o coração confuso entre a casta e leal amizade.

Pernas bambas. Seguro-me nesta insegurança e tento dançar
Vontade de te observar, desbravar teus caminhos e cantos,
Teus olhos, teus lábios, tua barba pequena para eu acariciar,
Tuas verdades, tuas histórias, teu sorriso pelo qual torço tanto.

E longas noites percorrer a estrada de conhecer-te.
O coração pulsa, as mãos tremem. Balançar no suor frio.
O que era um querer sentir, cavalheiro, é hoje querer ter-te
E deixar-me levar pelas tuas virtudes como ao leito de tênue de rio.

Eu preciso te ver, te conhecer, e no olhar dos olhos teus
- ao deliciar-me na atenção aos teus contornos da face –
Sob suas sobrancelhas, pra que tu possa ver nos olhos meus
o tamanho do brilho diante de teu semblante que me enlaces.

São tuas palavras, tua força, tua busca pela vitória nos prélios,
Teu “Eu” que escondes de tantos, mas me parece, me descreves.
É por ele – esse teu inteiro - que me apaixono fazendo luz ao mistério
Que aos poucos pretendo lhe revelar, sem dominar-me pela febre.

Pois tu és um, por quem eu me apaixono e aquele que almejo.

Pernas bambas. Seguro-me nesta insegurança e tento dançar
Vontade de te observar, desbravar teus caminhos e cantos,
Teus olhos, teus lábios, tua barba pequena para eu acariciar,
Tuas verdades, tuas histórias, teu sorriso pelo qual torço tanto.

Pois tu és único.


*Amor e apenas amor.
Imagem: Shiryu, pelo que ele representa e para lembrar de um tempo onde as fantasias da infãncia se concretizavam, de uma forma, ou de outra.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Para dilacerar a raiva, para cortar os pulsos, para se fingir de morto e apagar as verdades.
Esquecer e voltar ao caminho, voltar para a estrada, mas nunca retornar ao ponto de partida ou revisitar a estrada já deixada para trás. Mas é só voltar pra estrada. E foco.
Gasolina na moto, no conversível, enfim, vento no cabelo, sol sobre a nuca.
Eu e o horizonte, e isso é bom.
Um mundo todo novo pra desbravar. Árvores que estão ao nosso lado, leve sombra, muito verde, e vamos em frente.
A luta não pára, mas agora é hora de sorrir, de gargalhar do tempo e das armadilhas e urrar cheia de calor e loucura no peito.
Hora de se embriagar do caminho, esse é só mais um dia, e que maravilha que é só mais um dia.
Ao menos, dessa vez, eu sei que existem outros campos que eu posso me desbravar sem medo!

sábado, 30 de janeiro de 2010

Contar trovões.

Incredulamente eu me ergo e estou rindo
Eu não sei o que é o amor.






Acredito que um dia, já a algum tempo, eu soube, hoje eu apenas desejo.
Eu desejo poder me apaixonar mais uma vez e tenha tantos motivos para amar que possa enfrentar por esse amor grandes tempestades, os mais terríveis furacões, caminhadas escuras por densas e funestas florestas na busca de uma pequena casa humilde, onde haja uma lareira acessa e um vasto tapete e um colo.
Eu quero ouvir todas as músicas de amor e lembrar de um único rosto e sentir orgulho do que eu sinto.
Quero poder olhar nos olhos tantas vezes e ter a certeza de que nossos olhos conversam livremente e se desnudam de sinceridade e veracidade. Se entendem. E tantas outras vezes eu quero que possamos discutir sonhos, revoluções, teorias e tantos ideais que no final, possamos estar maiores e mais ricos, riqueza que é a evolução.
Quero também cantar junto os mesmo refrões, e rir de nós quando errarmos o tempo da melodia.
Quero desligar a TV no domingo pra ficar olhando o tempo, deitada em um colo quente e desnudo diante a janela, sim, só pra ver a manhã virar tarde e a tarde virar noite.
Alguém pra dar risada, pra cuidar das cicatrizes, pra pedir abrigo e pra fazer valer a pena sonhar.
Eu sonho com alguém pra esperar nos dias de chuva.
Alguém pra contar trovões.





*imagem: Angel Sanctuary