quarta-feira, 18 de junho de 2008

Sem Sinal de Lua


Parte 1 - Rafael.
Madrugada de terça para quarta feira. Junho de 2008.

Com a mão esquerda colocou a chave na fechadura, com dor de cabeça e cambaleando olhou em volta e avistou as escadas por onde subiu. O elevador já desligado como sempre após as 02h00. No final do corredor a pequena janela pela que viu a noite fria e nublada lá fora. Sem sinal de lua. Girou a chave duas vezes para a direita, levou a mão até a maçaneta da porta, girou a 90° e empurrou a porta. Entrou e encostou a porta. Lembrou-se da chave, abriu novamente a porta, retirou a chave da fechadura, fechou e trancou e deixou a chave ainda na porta. Estava escuro. Caminhou sem ascender nenhuma luz, deixando cair algumas coisas e guiado pelo som de uma televisão ligada.
Chegou a seu quarto e abriu a porta que estava apenas encostada.
Camila já estava dormindo vestida em seu pijama rosa - chá. Na televisão passava um daqueles velhos clássicos do cinema, desses que foram remasterizados e coloridos recentemente. O quarto cheirava a Leite de Colônia, assim como ficava a pela da moça sempre após banhar-se.
A cena parecia ter-lhe despertado um pouco de sua embriaguês. Desligou a televisão e sentou-se em seu lado da cama. Tirou os sapatos, a jaqueta pesada de couro, e a calça do paletó. Entrou para baixo das cobertas e deitou-se. Permaneceu, por longos instantes, parado olhando na direção do teto, porém por estar no escuro, nada enxergava a não serem os seus pensamentos acusadores e melancólicos. Pensava no modo que contaria tudo a Camila, se é que ela já não desconfiava. Seria justo cometer essa crueldade com ela? Ou piro seria omitir? Pensou na esposa, deixou verter uma lágrima. “um ano de namoro, dois de casamento. Ela tão nova, vinte e dois anos de pura jovialidade, ela já não tão novo, doze anos de diferença, e quem imaginaria, já tão destruído e causando tanto mal a ela.”. Abraçou a esposa mais continuou que continuava a dormir profundamente. Cada vez mais angustiado com suas atitudes, apertou-a em seus braços “Agora é tarde demais”. Ela pareceu acordar por um pequeno instante e recostou seus flancos no corpo dele, voltando a dormir.

Parte 2 - Camila
(manhã daquela mesma terça feira)

Camila acordou mais disposta. Rafael havia saído mais cedo que o normal, sem sinal de café da manhã na mesa mais uma vez, porém, varias de suas roupas estavam para fora do guarda-roupa sobre a poltrona do quarto, o que demonstrava que seu esposo havia parado para escolher com que roupa sairia para trabalhar, ao invés de vestir a primeira que pegasse como fazia quando estava deprimido.
Ela deixou tudo bagunçado, tomou banho, vestiu-se e foi trabalhar. Na hora do almoço, como de praxe, ligou no escritório de Rafael. Foi atendida por Julia, a secretária que lhe disse apenas que o Sr. Rafael não havia chegado até o momento. Preocupada, Camila ligou no celular no celular que, aparentemente, estava desligado. As horas seguintes foram angustiantes.
As 16h00, saiu do trabalho e foi para casa sem vontade alguma. Ao chegar ligou novamente no celular que ainda parecia estar desligado. Pensou um pouco, e deparou-se com a possibilidade do aparelho estar sem bateria e que não havia motivo para preocupação. Ligou para o escritório e novamente ouviu a voz de Julia “O Sr. Rafael não está.” Logo em seguida, a voz de um homem do outro lado da linha pareceu dizer: “É a senhora Camila? Deixe-me falar com ela.” Camila ouviu atentamente o que Carlos (colega de trabalho já a alguns anos de Rafael, que freqüentava a residência do casal) queria lhe dizer e com voz chorosa desligou.
Permaneceu imóvel.
Quando recobrou a consciência sobre seu estado, levantou-se, e começou a colocar a casa em ordem.De instante em instante, Camila deixava-se chorar. Pensava se diria a Rafael que já sabia de tudo por intermédio de Carlos, ou se esperaria até que ele lhe disse-se.

Parte 3 - Diálogo intuitivo.
Noite de terça feira até madrugada de terça para quarta.

20h15- Rafael lembrava-se da noite passada ao lado de Camila e sorri.
20h17- Camila lembrava-se da noite passada com Rafael e chora.
00h32- Rafael esta cada vez mais embriagado.
00h47- Camila já de pijamas, estava deitada assistindo televisão à espera de Rafael. Quanto mais a madrugada avançava, menos sono Camila sentia. Passava um especial na televisão, uma seqüência de vários filmes antigos, clássicos do cinema, desses que foram remasterizados e coloridos recentemente.
02h28- Rafael subia vagarosamente os nove lances de escada até seu apartamento, o elevador já estava desligado. Pensava: “Drogas na juventude, álcool, mais essa merda de cigarro que eu não consigo largar. Sem falar em todas as noites que acabei comigo. Não era de se esperar algo diferente...”
02h29- Camila pensava: “Tantos anos se negligenciando...hoje que ele parecia mudar... Como seria de outra forma?”
02h53- Rafael finalmente chegou ao nono andar e estava em frente à porta.
02h54- Camila escutou um barulho na porta e fingiu dormir.

Parte 4 – O encontro.

Camila ouviu cada passo de Rafael até chegar a porta do quarto. O percebeu desligando a televisão e acolhendo-se ao seu lado. Quanto ela a abraçou, teve uma desmesurada vontade de dizer a ele que já sabia de tudo, mas não conseguiu, principalmente pelo fato da embriagues de Rafael, seria simplesmente inútil. Porém, quando ele a apertou, sem forças para recusar o afeto, aproximou-se mais dele e lembrou-se das palavras de Carlos: “Camila, conversei com Rafael hoje, ele foi retirar o resultado de um exame e chegou aqui já perto da hora do almoço, e saiu novamente. Camila, ele não pode te dar filhos”